quarta-feira, 29 de julho de 2009

Agricultores compram arroz e leite no Forum

Os agricultores do Baixo Mondego e Gândara deslocaram-se ontem ao Continente do Fórum Coimbra numa acção que pretendeu sensibilizar a «grande distribuição» para importância de escoar os produtos nacionais a preço considerado justo. À hora de almoço, o protesto, que teve início anteontem com os agricultores a pernoitarem junto à delegação da Direcção Regional de Agricultura e Pescas, terminou com a compra de arroz carolino e leite, ambos de produção nacional.
Das prateleiras, rapidamente, desapareceu o arroz de marca “Pato Real”, de Paião (Figueira da Foz», vendido a 99 cêntimos, com os agricultores a optarem também por Cigala (1,14 euros) e Saludães (0,98 euros), de Oliveira de Azeméis. A corrida ao leite nacional (Gresso e Matinal) também foi visível no hipermercado, que em poucos minutos e com um reforço de pessoal nas caixas de pagamento, conseguiu atender os clientes do Baixo Mondego e Gândara. No final, as compras foram colocadas à entrada do estacionamento para a contagem: 146 litros de leite e 150 quilos de arroz, que serão hoje entregues a três instituições de solidariedade social de Coimbra (Integrar, Casa do Gaiato e Casa dos Pobres).
De acordo com Carlos Laranjeira, presidente da Associação dos Orizicultores de Portugal, esta acção naquela grande superfície teve como objectivo alertar a grande distribuição «no sentido de encontrar o que nos une e esquecer o que nos pode dividir». As conversações entre as duas partes estão a ser retomadas, havendo mesmo uma reunião entre produtores e a Associação de Distribuição, que decorrerá sexta-feira, às 14h00, em Lisboa, com o objectivo de encontrar «um rápido entendimento para ultrapassar esta crise».
Com os tractores estacionados na Avenida Fernão de Magalhães desde segunda-feira, os produtores de leite, arroz, milho e hortícolas, depois de passarem a noite junto à delegação da Direcção Regional de Agricultura e Pescas, iniciaram o desfile rumo à Portagem, pouco antes das 11h00.
De acordo com uma estimativa no local, na Avenida Fernão de Magalhães terão estado cerca de 500 agricultores, tendo chegado à Portagem, pelo menos 300, que depois seguiram ainda a caminhada - sempre com um burro a puxar uma carroça a liderar - até ao Fórum Coimbra.

“Vítimas” do negócio entre distribuição e indústria
Antes do início da manifestação pelas ruas da cidade, Carlos Laranjeira voltou a responsabilizar o Governo e, nomeadamente o ministro Jaime Silva, pelo «estrangulamento» dos sectores para os quais têm sido apresentadas «soluções», que passam por «sentar à mesma mesa» produção, transformação e distribuição. Lamentando que o Governo não lhes tenha dado ouvido, Carlos Laranjeira é peremptório: «o caos instalou-se».
«Aquele a quem chamamos mentiroso [o ministro Jaime Silva], é mais do que mentiroso. Agride-nos. Nós queremos mais respeito», continuou. No documento que seria entregue minutos mais tarde no Governo Civil, por um grupo de representantes dos agricultores, há um pedido explícito a Henrique Fernandes para «solicitar ao senhor primeiro-ministro que mande calar Jaime Silva».
«O senhor ministro, cada vez que fala, é só para denegrir a imagem dos agricultores. Não fala a verdade por má-fé», frisou, realçando que a produção está «a ser vítima da guerra entre a distribuição e a indústria». Como tal, defendem os agricultores, «é mais do que tempo do Estado intervir», quatro meses depois do sector ter alertado para essa «necessidade».
Carlos Laranjeira defende que Portugal deveria seguir o exemplo de Espanha e França, que já estão a agir apoiando os produtores. Caso contrário, «o leite vai baixar novamente, o que fará com que acabe de vez», frisou, lembrando ainda que já há agricultores que estão a enterrar as batatas e as 20 mil toneladas de arroz do ano passado não deverão passar em 2009 de cinco mil.
«Teremos uma explosão social na zona Centro», relembrou o orizicultor, a dar conta que, no sector do milho, o prejuízo foi de 755 euros por hectare em 2008. «Não estamos a pedir mais dinheiro. Não estamos a pedir que subam os preços ao consumidor», garantiu, frisando que o «Governo não se deve demitir das suas funções».
Do sector do leite protesta-se também contra o sector cooperativo e os salários que os directores auferem. «Só a administração da Lactogal aufere tanto como o Governo inteiro», criticam.
Entretanto, a Comissão Política Distrital do PSD manifestou-se solidária com a luta dos agricultores, considerando que o Governo «tem, desgraçadamente, vindo a desenvolver uma política de sistemática destruição do sector em Portugal, conduzindo os agricultores à desesperança e ao desespero».
Também a Direcção da Organização Regional de Coimbra do PCP considera de «inteira justiça» a luta dos produtores, realçando que «os aumentos do preço dos produtos no consumidor não vão para os bolsos dos agricultores, antes ficam no percurso especulativo».

Próximas manifestações “mais radicais”
Da parte da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), que apoiou o protesto de dois dias, surge o apelo de João Dinis para a penalização do Governo nas próximas eleições.
Já Isménio Oliveira, também dirigente da CNA e da Associação Distrital dos Agricultores de Coimbra, deixou o aviso que as próximas acções serão «com certeza mais radicais», podendo passar por cortes de estradas e os acessos à indústria leiteira.
Numa altura em que «todos os meses estão a encerrar explorações leiteiras», o dirigente apelou a «medidas urgentes», caso contrário, «não teremos agricultores dentro de um ano», frisou, certo que «se o Governo tiver forma de escoar o leite em pó, aumenta o preço de produção».

Vozes

“Vamos morrer à fome”
José Correia Monteiro tem 63 anos e toda a vida foi agricultor. Produtor de arroz e milho, saiu de Meãs do Campo no seu tractor e pernoitou na Avenida Fernão Magalhães, juntamente com várias centenas de colegas. Já com a certeza de que não terá lucro, José Monteiro espera, pelo menos, conseguir fazer face às despesas. «Assim, vamos morrer à fome», vaticinou.

Jovem agricultor “preocupado” com o futuro
Com apenas 23 anos, Telmo Martins segue as pisadas da família na produção de arroz. Estudante da Escola Superior Agrária, o jovem de Vila Nova de Anços, Soure, não hesita em continuar a tradição agrícola, mas está «preocupado» com o futuro. Se em 2008, o arroz era vendido a 40 cêntimos, «este ano vai para 20 cêntimos», alertou, preocupado também com o que se passa noutros sectores. «Há produtores que estão a enterrar as batatas e outros estão a dar aos animais», concluiu.

Escrito por Patrícia Isabel Silva
In
http://www.diariocoimbra.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=3061&Itemid=135

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