sexta-feira, 19 de novembro de 2010

JULGAMENTO COM FORTES MEDIDAS DE SEGURANÇA EM MONTEMOR

“Era um homem duro e agora sou um zombie”

Mário Pessoa, o homem que, a 29 de Novembro de 2009, após perseguição, matou a mulher a tiro de caçadeira, assim como um cabo da Guarda Nacional Republicana, com um disparo de revólver, dentro do posto de Montemor-o-Velho alegou ontem estar transtornado, numa espécie de loucura momentânea, motivada pela infelicidade sentida pelo desmoronar do casamento.
Se a cena do crime foi digna da sétima arte, o filme que o arguido ontem contou também, só que com diferença de que o argumento é de muito baixa qualidade, pelas incongruências e pelo discurso, ora emotivo, como a seguir arrogante. Aliás, este garantiu gostar de filmes do velho Oeste, mostrando preferência por John Wayne.
Falando “pelos cotovelos” a propósito de tudo e de nada, Mário Pessoa lamentou o dano causado às vítimas e às famílias, mas preferiu lamentar-se pela mudança que diz ter-se verificado na sua pessoa, elogiando, por várias vezes, a sua postura e conduta ao longo da vida.
O homem, acusado de 11 crimes, quatro dos quais de homicídio qualificado, frisou que «antes era uma homem duro e agora sou um zombie», mas garantiu que, apesar de tudo, «matar nem pela minha cabeça passava».
Confessou os disparos sobre a mulher, quando esta se encontrava dentro da ambulância, mas nega ter sido o autor da morte do guarda José Venâncio Dias, porque «não estava ninguém dentro da cela». Afirmação que manteve durante toda a sessão, mesmo quando instado a explicar como é que uma bala do seu revólver foi encontrada no corpo do militar.
Muito menos quando lhe foi mostrada uma foto do processo onde está o corpo do guarda dentro da cela, o que motivou o advogado da esposa do militar a requerer uma inspecção judicial ao local, negada para já.
Mário Pessoa defendeu sempre a tese de que se encontrava na cela, de costas para a porta e tentou matar-se, apontando a arma contra o queixo, sendo que esta se teria disparado duas vezes, quando lhe agarraram a mão, puxando-a para trás.
Mais do que uma vez referiu que a sua intenção era matar-se, mas, como enfatizou o juiz presidente, não se suicidou «e duas pessoas acabaram mortas».
A justificação para o incêndio em casa dos pais seria de que a explosão da pólvora é que lhe daria o impulso para espetar uma faca no pescoço. «Não fui capaz», afirmou, dizendo que se deslocou, depois, ao posto da GNR, no sentido de colocar termo à vida em frente à mulher, acabando a cena em duas mortes e duas famílias destruídas.

Arguido diz que não é louco
Negando a violência doméstica, acabaria por confessar duas situações, “descaindo-se” mais para o final ao dizer que Maria Manuela nunca saíra à rua com quaisquer tipo de marcas. «Era tudo ao fininho», disse.
Na verdade, a suposta desorientação – o próprio garantiu não ser louco – é justificada por Mário Pessoa pela alteração de personalidade da esposa, que se teria alegadamente tornado mais liberal do que o próprio aceitava, tentando deixar a ideia de que esta seria mesmo libertina.
O arguido começaria por justificar que numa das ocasiões em que agrediu a mulher, a razão terá sido o facto de esta «ter ido com clientes para a discoteca, enquanto eu estava no hospital», para depois a acusar de desaparecer com dinheiro e falar no nome de outro homem enquanto estavam na cama.
Mário Pessoa diria, depois, que, no dia do crime, teria sido Maria Manuela a tentar ter sexo com ele e não o contrário, alegações que levantaram um “burburinho” entre a audiência que esgotou os lugares disponíveis no Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho.
Aliás, chegou a dizer que o bar de ambos estava transformado numa espécie de um bar de alterne, «cheio de homens predadores», assumindo que, a determinada altura, desconfiava da fidelidade da mulher.
Neste “filme” contado ao longo de cerca de quatro horas, o arguido tanto dizia que o amor pela esposa era e é verdadeiro e que lhe terá alterado o discernimento, como a seguir a acusava de comportamentos desviantes, contradições notadas pelo colectivo.
Em termos gerais, na versão de Mário Pessoa, o comportamento desviante da esposa ter-lhe-ia provocado o estado de alma que o levou a matá-la a sangue frio, disparando a cerca de um metro.
Por outro lado, virado para a parede da cela, onde via «o paraíso», não matou o guarda, nem viu o seu corpo estendido. Apenas se diz lembrar o outro militar, que ficou ferido numa perna.

Defesa pede nova perícia psiquiátrica
Alexandre Barros, advogado do arguido, defendeu que a perícia psiquiátrica realizada ao arguido seja declarada inválida por, alegadamente, ter violado os prazos de notificação. O causídico disse, ontem na audiência, que Mário Pessoa «foi impedido de exercer cabalmente os seus direitos», por ter sido notificado no mesmo dia de realização da perícia.
No requerimento apresentado ao colectivo de juízes, o advogado defendeu que a perícia «seja declarada inválida» e realizada uma nova avaliação psiquiátrica
do seu cliente.
Segundo fonte ligada ao processo, a perícia em causa dá o arguido como imputável. A defesa, por seu turno, invoca a imputabilidade diminuída de Mário Pessoa.

Forte contingente de segurança da GNR
O julgamento prossegue apenas a 16 de Dezembro, altura em que começarão a ser ouvidas as testemunhas. Ontem, a segurança foi reforçada, mas não houve problemas de maior.
Um forte contingente da GNR segurou o local e controlou as entradas na sala de audiências, revistando toda a gente, incluindo os profissionais da comunicação social.
À chegada, com um atraso de mais de uma hora, apenas estava, no exterior do tribunal, cerca de uma dezena de pessoas, e meia dúzia de repórteres de imagem. Os populares já ocupavam os seus lugares na sala e não assistiram a nada.
Apesar do forte impacto emocional provocado por dois assassinatos brutais, não se repetiram as manifestações ocorridas aquando da primeira audição de Mário Pessoa, há cerca de um ano. Mesmo na sala de audiências, não se ouviu mais do que uns choros e alguns murmúrios.
Quando o carro celular deixou as instalações, cerca das 19h00, ainda se ouviram alguns insultos, mas a saída fez-se sem problemas.

Escrito por José Carlos Salgueiro
http://www.diariocoimbra.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=9993&Itemid=111

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