terça-feira, 13 de julho de 2010

“Peregrinações” à volta de Fernão Mendes Pinto

Mais de 200 actores e músicos percorreram as ruas da vila para contar a história e as aventuras de Fernão Mendes Pinto, numa viagem onde o real e o imaginário se cruzaram. As 300 pessoas que assistiram ao espectáculo ficaram “muito satisfeitas”

Montemor-o-Velho transformou-se nas duas últimas noites num enorme palco teatral. O espectáculo de rua “Peregrinações” juntou, nos espaços mais emblemáticos do centro histórico da vila, uma dezena de grupos, mais de 200 actores e músicos e aproximadamente 300 espectadores.
Durante mais de duas horas e meia foram reveladas as aventuras e a história de Fernão Mendes Pinto, recriados alguns dos lugares descritos na sua obra e invocadas personagens que pululam a literatura de viagens do século XVI.
A grande maioria dos espectadores com quem o Diário de Coimbra falou elogiou a iniciativa, inserida nas comemorações do quinto centenário do nascimento de Fernão Mendes Pinto. «Estou muito satisfeita, achei que os actores estiveram muito bem e adorei as diferentes abordagens e técnicas dos vários grupos de teatro», afirmou depois do espectáculo a conimbricense Ana Magalhães, de 43 anos.
O público, de todas as idades, teceu também largos elogios às músicas interpretadas pelos actores e ao «excelente» aproveitamento dos espaços da vila para criar os quadros que deram vida ao espectáculo, bem como ao intenso sentido de humor que reina nalgumas partes do evento.
As críticas negativas surgiram pontualmente e estiveram relacionadas com a duração do espectáculo, que terminou já depois da meia-noite. Alguns cidadãos, acompanhados de bebés e crianças, não ficaram até ao fim. A grande quantidade de mosquitos e de melgas existentes nalguns períodos de “Peregrinações” também mereceram reparos, se bem que este é um factor externo à própria produção.
No final do primeiro dia do espectáculo, na noite de quinta-feira, Deolindo Pessoa, responsável pela direcção e concepção, estava satisfeito. «Correu dentro das expectativas e tivemos um “feedback” positivo dos espectadores», afirmou.
Segundo o director do evento, a principal dificuldade do ponto de vista artístico foi precisamente «o número excessivo de espectadores». «Por um lado é bom, porque revela o interesse das pessoas, mas por outro lado limitou um bocado a acção e o próprio visionamento do espectáculo», explicou.

Caminhada pelas ruelas à luz das velas
O espectáculo “Peregrinações” acontece hoje pela última vez. O Diário de Coimbra desvenda um pouco do que o espectador pode encontrar.
A aventura começa às 21h00, no castelo de Montemor-o-Velho. O primeiro dos oito quadros (pequenas peças) acontece junto às ruínas da Igreja de Santo António. Aqui é feita uma alegoria aos primeiros anos de vida de Fernão Mendes Pinto. Fala-se das partidas de Montemor para Lisboa e depois de Lisboa para a Índia. Fernão Mendes Pinto procura aventuras e melhores condições de vida.
Os 300 espectadores desbravam depois as ruelas íngremes do castelo e do centro histórico. A iluminação pública e as luzes das casas da vila estão apagadas. As pessoas caminham em grupo, iluminadas apenas por velas espalhadas pelo caminho, que indicam o rumo da peregrinação.
O percurso vai dar ao adro da Igreja de S. Martinho, onde acontece o segundo quadro, centrado na chegada de Fernão Mendes Pinto à Índia. Revela-se a vontade de quem quer ser protagonista da história e percorrer os cantos do império. Os prazeres e o sofrimento inerentes a uma grande epopeia começam também a surgir.
No final do segundo quadro o espectador tem que decidir que caminho quer seguir, como numa verdadeira peregrinação. Quem optar pelo estandarte roxo vai descobrir mais sobre o tema da religião. O estandarte amarelo leva ao trajecto da guerra.
De um lado (quadro V e VI) fala-se dos milagres e enterro de São Francisco Xavier e a consequente conversão de Fernão Mendes Pinto, que se junta aos Jesuítas, bem como a posterior crise religiosa do protagonista e uma evocação a Camões e ao Canto IX. Estes dois momentos do espectáculo acontecem na Rua dos Combatentes da Grande Guerra e no Terreiro do Queimado.
Se o caminho escolhido é o da guerra, então o espectador pode descobrir mais sobre as muitas lutas que Fernão Mendes Pinto travou, na companhia de António de Faria, como foi feito prisioneiro e os naufrágios que sofreu (quadro III, no Largo Dr. Alves de Sousa – Largo do Outeiro).
Seguem-se guerras de Nixiancó, com o quadro IV, um jogo teatral na Rua da Cadeia Velha/Rua Dr. Luís Coutinho. A peça mostra como os portugueses acabam por ter um papel relevante no cerco ao castelo de Nixiancó. As contradições da epopeia portuguesa também são reveladas.

Final “não feliz”
Os espectadores que seguiram os diferentes estandartes (religião e guerra) voltam a convergir para os últimos dois quadros. O quadro VII trata das aventuras de Fernão Mendes Pinto por terras do Japão, onde as tempestades foram apenas um dos vários perigos que encontrou. A acção teatral estende-se por toda a Praça da República.
O termo da peregrinação, que acontece com o quadro VIII, tem um registo retrospectivo. É a prova de que nem sempre as histórias têm um final feliz, que a vida pode ser madrasta e injusta. Regressado a Portugal, Fernão Mendes Pinto não recebe o que lhe era devido (uma tença) pelos serviços prestados ao reino, sentindo na pele a ingratidão dos seus compatriotas.
No Vale de Rosal, em Almada, onde se manteve até à morte, escreve a sua obra “Peregrinação”, um relato tão fantástico do que viveu que durante muito tempo não se acreditou na sua veracidade.

Escrito por Bruno Vicente
In http://www.diariocoimbra.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=8070&Itemid=135

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