terça-feira, 18 de maio de 2010

Quatro condenados por rapto de menina cigana de 11 anos

Dois dos arguidos vão cumprir penas efectivas de prisão, enquanto outros dois ficaram com as condenações suspensas. Os factos aconteceram em Abril de 2009 e dividiram-se entre Santa Maria da Feira e um acampamento cigano de Arazede

O rapto de uma menina cigana de 11 anos foi ontem punido pelo Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho, que aplicou penas de prisão - duas efectivas - a quatro dos cinco arguidos, todos de etnia cigana. Uma mulher (A.M.) foi absolvida. Além do rapto, o quinteto (três homens e duas mulheres) respondia por abuso sexual de criança, crime que, no entanto, “caiu”, pois o tribunal entendeu tratar-se de ofensa à integridade física qualificada. O colectivo de juízes não considerou o “teste de virgindade” um «acto sexual de relevo».
Os factos remontam a Abril do ano passado. A menina vivia com os pais adoptivos - já não se encontrava sob tutela da mãe, tendo sido entregue aos cuidados de outros familiares - em Santa Maria da Feira. No dia 12, domingo de Páscoa, foi raptada e levada para o acampamento de Vila Franca, em Arazede, no concelho de Montemor-o-Velho, com o propósito de ser concretizado o casamento com um primo, à data com 17 anos. O enlace, seguindo a tradição cigana, foi materializado no dia 14 de Abril, confirmou o noivo em tribunal. A festa durou dois dias e reuniu 200 convidados.
Mas o rapto era apenas uma parte da acusação. No dia do casamento, antes deste se concretizar, C.S. foi sujeita a um “teste” para comprovar a virgindade. Um ritual que causou várias lesões à menor. A primeira noite foi passada dentro de uma carrinha, tendo a rapariga de 11 anos, que, em tribunal, negou alguma vez ter pretendido casar com A.R., recusado manter relações sexuais com o noivo, que, ontem, foi absolvido do crime de condução de veículo sem habilitação legal do qual também estava acusado.
Relativamente ao rapto, o noivo (A.R.), o seu pai (J.R.) e uma mulher da família (M.S.) foram condenados pela co-autoria do crime, enquanto A.A.M. foi considerado cúmplice. Assim, o cúmulo das penas pela prática dos crimes de rapto e de ofensa à integridade física qualificada ditaram condenações entre quatro anos e seis meses e seis anos e seis meses. Beneficiando do facto de não terem antecedentes criminais e de o juiz ter aplicado o regime da atenuação especial da pena - aplicada a arguidos condenados, com idade entre os 16 e os 21 anos -, A.R. e M.S., à data dos factos com 20 anos, foram punidos com quatro anos e meio de prisão, suspensos por igual período, e ficaram sujeitos ao regime de prova. Com antecedentes criminais, o pai do noivo vai cumprir seis anos e meio de prisão efectiva, enquanto A.A.M. foi punido com cinco anos efectivos.

Adaptar costumes às regras da sociedade
Ontem, durante a leitura do acórdão de sentença, o juiz sublinhou que, o teste de virgindade, «apesar de ser um costume ancestral da cultura cigana», teve consequências físicas. «Em qualquer acto que acarrete lesões, a intervenção do Direito é legítima», atestou o magistrado, referindo que «a integridade física é legalmente protegida», antes de lembrar que foi «apresentada queixa-crime» pela família da menor, que denunciou o rapto às autoridades.
Já depois da divulgação das penas aplicadas, o juiz realçou que, «a partir do momento em que surge uma queixa, o Estado não pode ficar indiferente». «Vivemos numa sociedade plural, mas há o mínimo de regras sociais que, por vivermos em sociedade, todos temos de respeitar e uma dessas é a integridade física das crianças, assim como a sua autodeterminação sexual», prosseguiu.
Segundo o magistrado, «não está previsto crianças de 11 anos casarem», razão pela qual aconselhou: «é bom que a vossa comunidade pense adaptar esse vosso costume às regras e aos valores da sociedade em que vivem». Um dos advogados, que pediu para não ser identificado, considerou as «penas excessivas», deixando para depois de «uma leitura cuidada» do acórdão a decisão de recorrer, ou não, para o Tribunal da Relação.

Escrito por João Henriques
In http://www.diariocoimbra.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=7408&Itemid=135

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